Um Convite Para "A Convidada" - Resenha/Desafio


"Há dez anos que desistira, agora era tarde para recomeçar. Afastou a cortina e, na obscuridade dos bastidores, acendeu um cigarro. Ali pelo menos poderia descansar um pouco. Agora era muito tarde; nunca seria uma mulher que dominasse exatamente todos os movimentos dos corpos. O que poderia adquirir hoje não seria interessante: pequenos ornatos, enfeites, nada  de essencial. Era isso o que significava ter trinta anos; era uma mulher feita. Seria para todo o sempre uma mulher que não sabe dançar, uma mulher que só teve um amor na vida, uma mulher que nunca desceu, de canoa, os cânions do Colorado, nem atravessou a pé os planaltos do Tibete. Esses trinta anos não constituíam apenas um passado que arrastara todo esse tempo. Depositaram-se em volta dela, dentro dela, eram o seu presente, o seu futuro, a substância de que era feita. Nenhum heroísmo, nenhum absurdo, poderiam alterar essa situação. Evidentemente tinha muito tempo, antes de morrer, para aprender russo, ler Dante, visitar Bugres e Constantinopla".

Eu acredito que Simone de Beauvoir dispensa apresentações, principalmente em dias que nós, do "sexo frágil", lutamos tão bravamente em busca de mais respeito, mais dignidade, mais direitos. Acho Simone uma mulher muito à frente de seu tempo, corajosa, engajada. Muitos a consideram a maior pensadora mulher dos últimos tempos.
"A Convidada", Editora Círculo do Livro, é seu primeiro romance, publicado em 1943. Nele, é narrado os conflitos de uma mulher de trinta anos, que funciona como um alter ego da autora. O livro trata  de questões de filosofia existencialista, o amor em diversos ângulos, o ciúme. Aborda também questões humanas como a decepção, a raiva, frustração, individualidade. 
Esta obra é baseada no relacionamento de Simone com o filósofo e escritor Jean-Paul Sartre. 
A história é narrada nos meses que antecedem a Segunda Guerra Mundial e descreve a Paris daquela época, com a vibrante boêmia e personagens como intelectuais, artistas e escritores. Nos famosos cafés, são discutidos os conflitos humanos e existencialistas.
Considerada uma das sua melhores obras, "A Convidada" enfoca o triângulo amoroso entre Françoise e Pierre Labrousse com a jovem misteriosa Xavière, que chega em Paris e fascina ambos. O relacionamento serve para questionar o modelo burguês de casal e de família, assim como explorar os dilemas existencialistas da liberdade, da ação e da responsabilidade individual. 
Apesar de ser uma história que acontece na década de 40, as experiências humanas continuam atuais e presentes em nossa sociedade. No caráter histórico, a autora consegue como ninguém, descrever a sociedade boêmia da época de forma absoluta. 
Pode ser que no começo nos sentimos um pouco entediados e perdidos com os longos diálogos, mas a história vai criando seu rosto, seu próprio ritmo, e nos envolve de uma forma que nos imaginamos nos Cafés Parisienses, sentados em suas mesas nas madrugadas, com grandes intelectuais da época.
Recomendo demais!


"Se constatarmos que as mulheres de nossos dias confessam cada vez mais seus desejos e falam entre si sobre os homens, se repararmos enfim que cada vez mais elas tomam a iniciativa, tanto para iniciar como para romper uma relação, então eu não creio que seja realmente importante a diferença que pode haver entre um homem e uma mulher quando se relacionam".
(Simone de Beauvoir)

Cláu Trigo

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