Notas do Subsolo - Literatura Visionária


"As veneráveis formigas começaram com um formigueiro e terminarão também, provavelmente, com um formigueiro, o que muito honra sua constância e sua natureza positiva. Mas o homem é um ser inconstante e pouco honesto, e talvez, à semelhança no jogador de xadrez, goste apenas do processo de procurar atingir um objetivo, e não do objetivo em si. E quem sabe? Não se pode garantir, mas talvez todo o objetivo a que o homem se dirige na Terra se resuma a esse processo constante de buscar conquistar ou, em outras palavras, à própria vida, e não ao objetivo exatamente, o qual, evidentemente, não deve passar de dois e dois são quatro, ou seja, uma fórmula, e dois e dois são quatro já não é vida, senhores, mas o começo da morte. Pelo menos, o homem sempre teve um certo temor desse dois e dois são quatro, e eu até agora tenho. "

Para mim, pessoalmente, um dos melhores escritores de todos os tempos. E incrivelmente, atual!
"Notas do Subsolo", de Fiódor Dostoiévski, Editora L&PM Pocket, é um 'querido' da minha estante e da minha vida.
Tudo que leio desse mestre, acho que ele acabou de escrever, porque tudo que vem dele, é muito atual, visceral, singular. Um dos componentes centrais da composição em Dostoiévski é o limite: alguém impôs um limite ao homem, cabe-lhe parar diante dele e igualar-se ao resto da manada ou ultrapassá-lo, ainda que à custa de terríveis sacrifícios. Para o homem do subsolo, os homens guiados pela razão burguesa param diante do impossível, de um limite, e imediatamente se conformam. Esses limites são as leis da natureza, as conclusões da ciências naturais, a matemática, a razão como medida única de todo o existente, e ele chama tudo isso de 'muro de pedra'. E desdenha desse modelo de homem guiado exclusivamente pela razão, defende o direito de viver segundo a vontade própria, ainda que seja 'estúpida vontade'.
A obra é constituída de duas partes com funções bem diferentes. Na primeira parte, Dostoiévski utiliza a novela como um espaço em que discute as ideias correntes no seu tempo a respeito de política, filosofia, sociedade, movimentos sociais, polemizando com as diversas tendências que fervilhavam na Rússia na segunda metade do século XIX e com as muitas ideias em voga que eram importadas da Europa Ocidental e a que ele se opunha. Nessa primeira parte, ainda, ele desdenha as características desse protagonista-narrador, através de suas auto-análises.
Na segunda parte, ele narra episódios da vida do seu herói, ou anti-herói, como ele mesmo se qualifica no final do livro. Aí ele mostra na prática aquilo que o narrador diz a si próprio na primeira parte.
É um livro para pensar, refletir. Pesado, desdenhoso, polêmico, provocativo. Um livro para aprender e questionar. Uma história à frente de seu tempo, de um dos maiores escritores que conhecemos até hoje. Um imortal da literatura universal.

Cláu Trigo

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